segunda-feira, 30 de março de 2009

Apostas


Há pouco a se fazer

quando as discussões já foram longe demais
quando as cicatrizes doem mais do que as feridas
quando o silêncio é a maior distância
quando a recompensa não compensa o esforço.

Há muito a se perder

quando a solidão assusta
quando a companhia completa
quando os pensamentos se completam
quando as mãos sempre se encaixam.

Quando a vida acontece, algumas apostas são confusas.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Fantástico


Domingo.
Noite.
Lição de casa para fazer.
Fantástico na televisão, volume baixo e nada a ser ouvido.
Gabriel está deitado no sofá, tentando reunir forças para fazer a lição de Geografia. Nada poderia ser mais desanimador do que aquilo.
Na verdade algo poderia sim, e estava acontecendo a poucos metros de Gabriel, no quintal da casa.
A sala era iluminada apenas pela televisão, e os sons vinham do quintal. Gabriel tentava desviar a atenção, mas o Fantástico não ajudava. Ele não conseguia parar de ouvir a briga dos pais no quintal.
No começo as palavras eram ríspidas mas curtas. Agora a briga era composta por longas frases gritadas e seguidas de xingamentos.
Gabriel tentava pensar na estúpida lição de Geografia, mas continuava inerte, deitado no sofá com o controle remoto na mão. A briga era a trilha sonora para as imagens nauseantes do Fantástico.
As vozes do pai e da mãe ecoavam na sua cabeça, e ele começava a se sentir inquieto. A discussão estava mais acalorada e certamente os vizinhos ouviam o que se passava. Gabriel tentou se lembrar da alegre festa de Natal, três meses antes, mas a tentativa só resultou em uma sensação extremamente desagradável.
Por alguns instantes, silêncio. Na televisão o Fantástico continuava.
O silêncio é quebrado pelos passos da mãe de Gabriel, que atravessa a sala chorando. Ele finge estar dormindo no sofá, mas se sente ridículo.
Gabriel, sem saber o que fazer, continua deitado no sofá. Ele ouve ao fundo o motor do carro. Também ouve o girar da chave na porta do quarto dos pais.
Aumenta o volume e o Fantástico agora tem vida, enquanto que as noites de domingo seguem sendo desconfortáveis.

Love Song

segunda-feira, 2 de março de 2009

Song for a Friend


Whenever you feel the need
Anytime you fear the void
He will help you plant the seed
He will join you to praise God



Amongst the multitudes that mislead you
Underneath the melody of the sad songs
He will guide you through the woods
He will whisper you a happy tune



When life seems unreal
And you suffer from a distraught heart
He will make you feel you can deal
He will tell you you'll go far


When your stare is lost
And the dark is all around
He will shine a light
He will take your hand



Days of heavy hearts will come
Through the streets you shall roam
He will not stop you
He will watch carefully
Until you make your way back home



The day you miss him
Will be a day of joy
For you'll think of him
And call him a friend
In the distance he will hear
And answer you with a smile


(Dedicated to Flora, a true Friend)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Gélido calor


Mesmo antes das sete horas da manhã o sol já dava sinais de que castigaria a cidade com mais um dia de verão. Quando se está a cem quilômetros da costa e 800 metros de altitude, o verão não é a mais agradável das estações do ano. Principalmente nos dias de trabalho.

Logo cedo o ônibus está cheio, mesmo no primeiro ponto. Claro.

O casal , depois de quinze minutos de silêncio na fila , conseguiu um lugar duplo nos últimos bancos do ônibus.

Nada como acordar duas horas antes do horário de trabalho e enfrentar uma fila em pé para , nos dias de sorte , arrumar os lugares em cima do motor do ônibus.

Principalmente num dia de calor como aquele.

Quando se está suando antes das sete horas da manhã, apenas de ficar numa fila, a situação é realmente complicada.

Mais implacável do que na rua, o calor dentro do ônibus apenas agregou mais um fator de irritação para o casal em silêncio. Até o motorista ligar o motor, nenhum dos dois ousou começar a conversa. Ao mesmo tempo, os dois sabiam muito bem que a conversa era tão inevitável como as gotas de suor que insistiam em rolar nos seus rostos.

Com o movimento do ônibus um certo alívio diminuiu o desespero pelo calor, mas logo o abafamento sujo do motor envolveu o casal, agora mais desconfortáveis ainda.

Ela olhava para a janela, limpando o suor com um lenço. Ele olhava para baixo, secando a testa com a própria camisa. O pior do calor era quando o vento de alívio do movimento do veículo era contrastado pelos sinais vermelhos. Quando o ônibus parava tudo parecia pior, o sol parecia aproveitar o momento e castigá-los com mais força.

O rapaz, ainda suando e olhando pra baixo, esboçou uma pergunta.


- Você tem certeza ?


A garota continuava olhando pela janela, para o movimento dos carros na avenida. As gotas de suor já se misturavam com algumas lágrimas. Ela secou suor e lágrimas, e ele percebeu.

Mesmo assim ele tentou:


- Eu podia ...


Mas ela soluçou, e ele parou de falar. Continuava olhando para baixo, para o chão sujo do ônibus.

O sol entrava pela janela, se misturava ao calor do motor e castigava os passageiros. O rapaz já desistira de secar o suor que lhe descia a testa.

Nenhuma gota de lágrima descera, e para ele todo aquele calor era apenas externo.

Ele estava frio e desconsolado. Seu coração estava gelado, e ainda não eram sete horas da manhã quando a garota saiu do ônibus.

Ele ficou, sentindo-se muito mais gelado, com as gotas de suor correndo livremente pela sua testa no calor do verão.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Small Talk




- You can take your eyes off her, she’s as out of your league as it gets my friend

- There’s no harm in looking, is there ?

- If the look is followed by hope you can be sure there’s a hell of a harm.

- Why do you say she’s off limits ?

- Hmm, well … let me think… she’s the prom queen, president of the homecoming committee and the most popular girl in school. I’d say those are damn good reasons.

- None of these change my perspective; you don’t know what lies underneath them.

- I’m pretty sure what lies underneath is the most fantastic blond teenager in the history of high school.

- It doesn’t impress me.

- Oh, I’m sorry mister ‘’ I´m too cool to be impressed’’, but something tells me she is the one not impressed by you. In fact I could bet my whole allowance that she doesn’t even know you exist.

- That’s even better.

- What are you talking about ?

- I prefer to work undercover.

- Well, oh my God… I definitely sense some lunacy going on here. How will you get her to go out on a date with you ‘’working undercover’’ ?

- Who said I want to go on a date with her ?

- Well, huh… your endless stare ?

- I did stare my friend, but for other reasons. Did you see the look of emptiness on her face? Did you see how lonely she looked when her friends said goodbye ? What do you think may happen to her next year when school is over, when there will be no more proms, no more crownings, when she will be just another good looking girl ? High school will be a fond memory for her, and it might as well leave a void in her soul. All this social structure she so proudly reigns over will be gone.

- Wow, you do seem worried about her future.

- Well, I guess it’s really none of my business, but I would like to help when she needs. We’re all fellow human beings after all, are we not ?!

- I guess we are.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Little George



There came a time when little George didn't care for weekends any more.
They used to be the days when the family went up to the mountains, drove to the country house, or even visited the grannies on the farm.
Those were the happy days that little George enjoyed, when he'd run through the fields, play hide and seek with his cousins, or even talk to the fat cows he loved.
They always amused him, the cows. He could never figure out how they could have that much milk, and besides that their skin was amazingly thick.

On the way back, on Sunday nights, he was always exhausted but never sad.

Occasionally he'd get somewhat concerned over school the following morning. Third grade could be a hassle sometimes, but little George liked it.

George stopped enjoying weekends when his father became his only companion. His mother would pack his bag on Friday nights, and by Saturday mornings his father would ring the door bell as early as 9 am.

It was strange.

His father ringing the door bell.

George always wondered why his father wouldn't just open the door and call him. But then again, the stranger thing was that his father was not around during the week any more

The week days were also different, but the weekends at his father's new downtown apartment were no fun at all.

No hide and seek. No running through the fields. No talking to the cows. No more listening to Simon and Garfunkel in the car during the road trips.
Hell, no more road trips.

His father was oddly different; he'd offer to buy him any ice cream. He would let little George watch television until late at night.

The Sundays nights felt like a relief. It couldn't be good. They shouldn't feel like a relief.
Little George started resenting his father not even knowing why. They would hug affectionately at the door, his mother looking down from the bedroom window.
His father wouldn't come in, and George's backpack felt heavier than it did on Saturday morning.
Little George would go upstairs to his bedroom and his mother showed up asking all sorts of strange questions.

How was it? Did he ask about me ? Did you see women's clothes in his wardrobe ? Did he talk about the checks ?

George would take a shower before his mother tucked him in, and hardly ever answered any of the questions. They made no sense to him.

It would take him quite a while to get to sleep, certainly longer than the five seconds it took him after the old times weekends.

Yeah, little George didn't care for weekends any more. They felt funny.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A vida poderia ser um sonho




A vida poderia ser um sonho.


Gabriel pensou, e naquele momento parecia ter sido atingido por uma rajada de vento que trazia medo e, principalmente, saudades. Ele sabia que aquele momento seria o mais difícil.
O caminhão da mudança estava pronto para ir, todos os móveis e objetos haviam sido retirados da casa.
Gabriel não esqueceria a data; 3 de dezembro.
O terceiro colegial ficara para trás, todas as provas, os professores, os muitos colegas, e os três amigos.
Três grandes amigos.
Gabriel achava que nessa época do ano estaria se preocupando com o vestibular; não imaginava que houvesse uma situação na qual ele desejasse estar se preocupando com o vestibular.
O vestibular parecia algo distante, como as princesas e rainhas das histórias que sua avó lhe contara para fazê-lo dormir, anos atrás.
Foi preciso a buzina do carro dos pais para chamar Gabriel de volta à realidade; ele estava de costas para a rua, na calçada, olhando a casa onde crescera.
Ele não chorou, na verdade nunca nem cogitara essa possibilidade. Ele não demonstrava os sentimentos; nenhum deles. Dois meses antes do dia daquela mudança os pais anunciaram a decisão para Gabriel e a irmã mais nova. No final do ano eles se mudariam para uma cidade menor, num estado distante.
A inscrição do vestibular seria cancelada, no outro semestre ele se inscreveria numa faculdade já na nova cidade.
Gabriel, como de costume, não demonstrou nenhuma reação em relação à mudança para a cidade estranha. Não colocou no rosto o sorriso que o resto da família sustentava, e também não esboçou resistência. Mas a notícia o abalara. Iria para longe dos amigos, dos locais que conhecia, dos rostos familiares. Iria para o sotaque estranho que tanto desgostava; iria para o calor insuportável.
E aquele era seu futuro; ao menos futuro é a palavra que estranhamente todos começam a usar quando você está no final do terceiro colegial.
Tudo que sentia em relação à mudança era um vazio.
Vazio pela vida que perdera ali onde era confortável e vivia entre amigos e pessoas conhecidas.
Entrou no carro, sabendo que aquele seria a pior viagem de sua vida. A irmã era muito pequena para entender, e para ela tudo era motivo de festa.
O pior momento daquele processo fora no dia anterior, quando Gabriel se despediu dos três amigos e anotou na agenda o endereço e telefone de cada um. Um desses amigos lhe dera um livro de presente, que ele separou para ler na viagem.
Enquanto as paisagens mudavam do lado de fora, Gabriel lia compulsivamente. Não queria perder o olhar para o lado de fora, nas passagens de tempo, nos postos de gasolina e pousadas de beira de estrada. Não queria aceitar que aquilo era uma viagem, não queria se ver no meio do caminho para longe de tudo.
Mergulhara no livro, ao ponto de se imaginar na história; não como um personagem, mas como uma testemunha invisível, acompanhando tudo de perto. Vivendo as alegrias e aventuras naquele mundo mágico, distante, naquele mundo de sonhos.


A vida poderia ser um sonho.


O primeiro dia de viagem chegava ao fim, quando, ao fechar o livro, Gabriel novamente pensou no que a vida poderia ser. O escuro da noite se misturava às luzes fracas dos postes da estrada, e esses postes começavam a aumentar quando algum tipo de hotel ou posto de serviços se aproximava.
A família estava esgotada depois de um dia inteiro de viagem. Nem metade do caminho havia sido percorrido.
Alguns caminhões estacionados no fundo do posto, e alguns carros de passeio em frente a um prédio pequeno, de dois andares, mas comprido. Ali era a pousada.
O verão que se aproximava já deixara as noites quentes, mas ainda agradáveis. Soprava uma brisa diferente, que Gabriel pensou ser típica das estradas, onde não havia prédios e casas para bloquear o vento.
Dois quartos, um para os pais e a menina, outro para Gabriel.
Na mochila o sabonete, escova de dentes e o pijama. No bolso, o livro.
Depois do banho, o jantar; e todos se recolheram. Gabriel deitou no colchão estranho da pousada, sentiu o cansaço do dia inteiro no banco de trás do carro pesar sobre seus ombros.
Sabia que os pais estavam felizes, e os ressentia tremendamente por isso. Porque eles achavam felicidade em algo que o fazia sofrer.
Leu mais.
A história estava mais interessante, o protagonista acabara de aprender uma lição de vida inesquecível. Fora uma passagem muito bem construída, cativante, que novamente transformara Gabriel naquela testemunha invisível que habitava o mundo dos livros. Com a passagem, a negação que vinha sustentando ao longo do dia se destruíra. Encarou a distância da realidade para o mundo do livro. Percebeu que a alegria que tinha ao se ver no mundo era na verdade um contraponto ao mundo real.
Fechou o livro e deslizou no colchão. No quarto escuro o cansaço pesou, e o alívio do corpo estirado sob o ventilador precipitou o sono. Gabriel desejava que o sono viesse logo; queria, mais do que nunca, aquele mergulho no desconhecido. Pensou como desprezara esse aspecto misterioso e encantador do sono.
Era como o livro, mais um salto para outra realidade. Desejou que o salto fosse longo, e que a queda nunca chegasse. Desejou aquela sensação de perda da noção de tempo.
Viu um lado do sono que nunca antes vira. Viu o refúgio, viu o abrigo mágico.
Mais do que nunca, mais do que na manhã, na saída de casa, e mais do que nas horas de estrada, desejou novamente.
Desejou profundamente.


A vida poderia ser um sonho.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

All I can do is wait for you


All I can do is wait for you


I dream, I long, I yearn


I see your face when I don't want




All I can do is wait for you


In this cold dark room


I can only hope you come soon




All I can do is wait for you


When you no longer show


I feel there's no need to know


Why you never cared


Why you always left


Because you always starred


As if embarressed




To be here with me




All I can do is wait for you


The cold from you was sorrow for me






I choose to hope




But




All I can do is wait for you

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

16:01



14:00 hs




Ansioso, ele deletou o texto incoerente que estava escrevendo e desligou o computador. Há alguns minutos que prestava mais atenção ao relógio do que ao trabalho.


Arrumou os papéis, desocupou a mesa e tirou a mochila do armário, no final da sala, embaixo da escada. Apalpou o bolso direito, sentiu que o celular estava lá, colocou a mochila nas costas, mal de despediu das outras duas pessoas que estavam na sala e saiu.


No corredor para o elevador, parou em frente ao relógio do ponto, tirou o cartão da mochila e marcou o horário de saída.




14:02




Manteve o cartão na mão direita, chegou nos elevadores e apertou todos os botões de descer, quase que freneticamente. Ainda tinha muito o que fazer antes das três horas, ou pelo menos o que pensar.


Desceu no térreo, aproximou o cartão da catraca eletrônica e virou à esquerda para sair do prédio. Na calçada virou à esquerda e foi para o Mcdonald's almoçar.




Resmungou silenciosamente ao ver a fila. Será que ninguém tem vergonha na cara pra comer uma comida saudável ?




14:15




Finalmente conseguiu se sentar para comer o lanche. Assim como vinha fazendo desde a noite anterior, repassou mentalmente tudo o que faria no encontro de logo mais.




A gente vai pro cinema, dependendo de como for eu compro pipoca e refrigerante. Será que eu pago o ingresso dela ? Ia deixar muito na cara... Bom, a gente se senta, eu puxo alguma conversa.. Será que vou perceber se ela der algum sinal ? Ela sabe que se eu chamei pro cinema.. só nós dois... mas ela pode achar que é só coisa de amigos. Droga. Mas não é óbvio que ''só amigos'' não vão pro cinema ? Se eu tentar beijá-la e ela recuar?! Putz... vai ser horrível.. é melhor não tentar... depois o clima vai ficar péssimo. E se ela estiver esperando que eu tente o beijo e eu não tentar ?!... Pode ser pior ainda... ou não... Droga. Talvez teria sido melhor eu ter falado antes que gosto dela, assim se ela aceitasse ir no cinema já era confirmado que também gosta de mim. Mas eu já dei tantas indiretas.. não é possível que ela não percebeu...





14:45


Entre pensamentos ansiosos e mordidas vorazes no lanche recheado de mostarda, ele decidiu encerrar o almoço e escovar os dentes.


Escovar os dentes era algo crucial, e pra garantir que não esqueceria, ele escreveu na mão esquerda, na noite anterior. Escovar.


Saiu da lanchonete e foi para o local marcado para o encontro. Ela também trabalhava na mesma avenida, no prédio em frente, e saía às 15:00. Eles assistiriam o filme das 16:00 no cinema que ficava na outra ponta da avenida



15:10


Dez minutos. Ela deve tá saindo...


Para esconder o nervosismo e a ansiedade, ele ligou o iPod, deslizou um pouco no banco, esticou as pernas e ficou sentado fingindo estar ouvindo músicas, descontraído, como quem mal se lembrava do encontro.


Secava as palmas das mãos na camisa, porque suava muito. Olhava muito para baixo, mas saberia se alguém se aproximasse. Estava atento aos pares de pernas que passavam para todos os lados.


Sentiu alguém chegando, e logo percebeu que não era quem ele esperava.


'' E ae cara, beleza ? ''


Era um amigo da faculdade. Meio desconcertado, temendo a chegada de quem ele esperava enquanto o amigo estava ali, ele respondeu.


'' Opa, tudo certo. Tá de passagem ? ''


O amigo parecia querer alongar a conversa, o que o desesperou.


'' Que nada, to por aí, sem nada pra fazer. Ta afim de fazer alguma coisa ? ''


Rapidamente ele pensou numa saída.


'' Putz, nem vai dar cara. Preciso resolver uns problemas no banco. ''


Eles se despediram, o amigo foi embora, ele fingiu também estar saindo e depois de alguns passos voltou ao local de espera.


15:30


Vinte minutos e nada.


Ele tirou o celular do bolso. Nenhuma ligação perdida, nenhuma mensagem. Pelo menos ela não tinha cancelado o encontro. Ou nem teve a consideração de avisar.


A tarde de janeiro era quente e úmida, e subitamente ficou escura. Parecia noite. Ventos fortes. Tempestade à vista. Isso o preocupava muito; poderia ser motivo para o cancelamento do cinema. A chuva veio, forte e acompanhada por muito vento. Os guarda-chuvas se multiplicaram pelas calçadas. Ele olhou no relógio.


15:35


Bom, só começou a chover agora; então a chuva não pode ser motivo para ela não vir.


Ela já deveria ter chegado. As pessoas corriam para os locais cobertos; como ele já imaginava a possibilidade da chuva, o encontro foi marcado num local bem coberto. E que ficou cheio de desavisados que insistiam em não sair de casa com guarda-chuvas em pleno mês de janeiro.


Ele desistiu de assumir a postura relaxada; ficou de pé, desviando das pessoas que se acumulavam, procurando ela entre aqueles estranhos.


15:50


A chuva parou tão repentinamente como começou, e o sol já rompia entre as nuvens que se distanciavam.


Dez minutos pro filme, cadê ela ? Nenhuma ligação perdida, nehuma mensagem.


Checou o celular de novo. Nada. As pessoas já haviam desocupado o espaço, ele estava sentado como antes.


Ansioso, esperava.


Esperava...


16:01


Ela apareceu como uma visão, ele quase a perdeu de vista. Ela andava com pressa, passaria direto pelo local de encontro se ele não gritasse para ela parar.


'' Ei, aqui ! ''


Ela ouvir o chamado, diminuiu o passo e olho, meio que surpresa.


Ele se aproximou, porque ela continuava andando.


Ela parecia apressada.


'' Oi, tudo bem? Essa chuva me atrapalhou, combinei de dar umas dicas pra uma amiga minha que tem uma entrevista de emprego hoje. ''


Ele ficou completamente atordoado, confuso. Como assim? Será que ela cancelou o encontro e eu não me lembro ? Não pode ser, eu não to louco. É certeza, o combinado era hoje. Certeza absoluta, ela não cancelou. Mas ela tá de passagem... será que esqueceu ?


Ele não encontrou palavras, diante da completa ignorância dela sobre o encontro. Ficou mudo, apenas balançava a cabeça.


Mas ela sabia do encontro, ele percebeu isso quando ela perguntou se ele estava esperando há muito tempo. E isso o deixou ainda mais confuso, e também triste. Ela perguntou desde que horas ele estava lá; ele continuou apenas balançando a cabeça.


Os dois continuavam caminhando, ele tentando acompanhar os passos dela. Até que se despediram, porque ela tinha que ir ajudar a amiga. Ele ficou parado, olhando ela se distanciar.


16:05

domingo, 18 de janeiro de 2009

Amor ?


'' Você ama alguém ? ''

'' Claro. Minha mãe e meu pai. ''

'' Não esse tipo de amor. ''

'' Não sei, talvez sim, talvez não... ''

'' Por que talvez ? ''

'' Amar e não ser amado conta ? ''

'' Acho que pra quem ama conta, certo ? ''

'' Pode até contar, mas é algo pela metade. Não dá pra saber. ''

'' Há quem diga que o verdadeiro amor é o não correspondido, porque não é egoista. Ele quer para a pessoa amada o melhor, mesmo longe de quem ama. ''

'' Isso é apenas uma utopia hipócrita; o amor pra ser completo precisa da presença da pessoa amada. ''

'' Então o que acontece com o amor não correspondido ? ''

'' Ele vira remorso, angústia, uma sensação de desconforto. ''

'' Não pode virar amizade, companheirismo ? ''

'' Lembra o que eu falei sobre utopia hipócrita ? ''

'' Hmm... ''

'' Eu amo minha mãe e meu pai. ''


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Gone For Good



He felt a strange feeling when the alarm clock took him out of the same dreams. He couldn't wait to do what he was going to do, but he knew it wouldn't turn out well.
His shoulders were heavy with anticipation; there was no positive perspective whatsoever for his plans.
However, he was convinced to try.
As ususal, his mother was in the kitchen and breakfast was on the table. His stomach was in knots, so there was no way he could even have a bite.
“There's no way you´re getting out of this house on an empty stomach, young man,” said his mother when he attempted to skip the meal.
According to her, school was a very demanding activity, and a 15-year old should always be well fed.
Despite his protests, he was forced to at least have a glass of milk.
“What's with the worried look, anyway?” she asked while he swallowed the milk.
“Not a bad grade in Math again, I hope. For your own good.''
He heard the warning and for a moment wished school was his concern again; at least he'd never had those heavy shoulders over school problems.
Carrying his clouded mind he headed for school, heart beating fast and hands sweating.
Somehow he already knew what would happen later that day; he knew it would be awful; he knew it would make him sad; but he also knew he couldn't stand any other day feeling that way.
He had to get it over with.
As the big gray building approached, he got more nervous; it meant a lot more to him than just the facility where he had classes.
He walked all the way from his house looking down, thinking, trying to imagine it would be just another ordinary day.
Ever since he saw her, nothing about school was ordinary anymore. Six months had gone by, and the new girl was the main topic in everybody's conversations.
For him, however, she was not a topic. She was the reason for his uncontrolled sweating, the crazy heartbeats and the tears in his eyes.
The first time he saw her he went into a kind of coma. He couldn't move, he couldn't listen, he couldn't talk.
He could only see her.
Surrounded by her new-found friends, she was popular, of course.
First day in a new school and she already had company during the break..
Unbelievable.
She was his classmate, but didn't know he existed.
He was her classmate, and everyday he saw Heaven when he looked into her eyes. They had exchanged a couple of polite words of ''hi'' and ''bye'', of course, but nothing that lasted more than half a second.
They were enough, though, to make him want to get up the next morning and run to school.
She sat in the back of the classroom, so he had to cautiously turn back to be able to see her.
She was so beautiful that he was embarrassed even to look at her.
Her beauty made him sad, in a deep way.
It would reach so deep into his soul that he lost his ground.
He had never felt sad because of somebody's beauty, and with her it happened everyday.
It took him these six months to have the guts to talk to her, and it had to happen after class.
As soon as he walked into the classroom, he knew she was there; he always did.
The hours and the classes dragged themselves as slowly as possible, and he was numb from the nervousness.
The bell rang and his feet became too heavy to be moved, exactly like everytime she was around.
He saw her walking out, and the sight of her hair flying in the air made him sad again; she was too perfect to be real, and there was nothing he could do not to feel that way for her.
At that age he didn't know what love was, but he surely loved her.
After gathering the strength to get up, he followed her from a safe distance. He knew by heart her steps after class; she would talk to her friends for a couple of minutes then she would leave school and walk two blocks until the bus stop.
But he noticed something unusual that day; it was taking her too long to finish the post school conversation and go to the bus stop.
He was about ten meters away from her and her friends, sitting on the floor pretending to be reading a book.
The minutes rolled slowly by, and he felt his fears from the morning quickly growing into a huge shadow that pressed his heart. As her friends left one by one, she stayed there, until there was only a boy with her, all talkative and confident.
From behind his book, covered by the distance, he wanted to sink into the ground when he figured what was going on.
His fears were not just a shadow now, they were a faceless monster creating a black hole around him.
He turned up his head, just a little over the book, and they were still there, talking.
The two of them breaking a stranger's heart.
He closed his eyes and prayed for an instant.
The voices in his head screamed for him to keep his eyes tightly shut; the monster outside ordered him to open them.
And he did. He opened his eyes.


Just in time to see the boy's hand grab her neck and pull her head closer.


Just in time to see the way both of them turned their heads.


Just in time to see her wrap her arms around the boy.


Just in time to see how they stared at each other when their faces approached.


Just in time to see them kiss.


He closed his eyes again. He felt the monster slowly smashing his heart.
He lost track of time in that black desert of closed eyes. He wanted to move to another dimension.

When he opened his eyes once again, he was alone.

They were gone.

And he was still there.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Manhã de Sábado



Para um garoto de 15 anos, as manhãs de sábado são reservadas para o sono. Depois de cinco dias acordando antes das sete horas, o sábado só começa depois do meio dia.
Mas nos dias quentes de Janeiro, as manhãs de sábado voltam a existir para Gabriel, de férias da escola.
Passadas as festas e viagens de natal e ano novo, os dias em casa passam a exercer um estranho efeito sobre Gabriel.
Mesmo com as ocasionais saídas com os amigos e as animadas partidas de videogame , ele passou a sentir algo que o perturbou bastante. Os dias em casa ficam cada vez mais longos; as horas se arrastam e ele demora a pegar no sono.
O momento em que ficou mais assustado foi quando chegou à conclusão de que estava com saudades da escola. Com certeza não das aulas intermináveis de física e matemática, nem de alguns professores, mas de tudo que envolvia o ambiente escolar. A conversa no pátio antes das aulas, as brincadeiras na aula de religião, as lições de casa copiadas às pressas nos corredores, a correria do recreio para conseguir um salgado na cantina, até mesmo da tensão antes das provas.
Tudo isso ficava mais claro para Gabriel nas manhãs de sábado.
Além dos afazeres domésticos, ele não tinha muito o que fazer em casa; apesar de não cumprir os deveres com entusiasmo, Gabriel nunca reclamou de ter que lavar a louça todos os dias, limpar a sujeira dos cachorros no quintal e alimentar os gatos.
Nas manhãs de sábado , como todos estavam em casa, a mãe de Gabriel costumava coordenar o trabalho, já que o pai também participava.
Lavando a louça, varrendo o quintal, Gabriel pensava. Pensava bastante.
Chegava mesmo a sentir um vazio, um tipo de tristeza que ele não entendia, principalmente quando fazia suas atividades domésticas ouvindo '' This Year's Love'' , cantada por David Gray, nos fones enormes do tocador de mp3, que cobriam suas orelhas.
Os pais, evidentemente, não sabiam de nada.
'' Vou falar o quê ? ''

Mas uma dessas manhãs quentes dos sábados de Janeiro foi diferente.
Gabriel acordou e desceu para a cozinha; a louça do jantar de sexta ainda estava suja na pia. Era estranho, mas como na divisão de trabalhos domésticos a louça da noite era responsabilidade da mãe, Gabriel não deu muita importância ao fato.
Ainda sonolento, ele demorou para perceber que já passavam das dez horas. Quando se deu conta do horário, passou a comer com pressa.
'' Dez horas ? Ninguém me acordou... ''
A mãe de Gabriel sempre o acordava cedo aos sábados.
Engoliu os últimos goles do achocolatado e já estava se levantando da cadeira quando seu pai apareceu na cozinha. O garoto abaixou a cabeça, para dar uma desculpa e falar que já estaria indo limpar o quintal.
No meio da frase o pai se aproximou dele e o pegou pelo braço; Gabriel parou de falar quando notou que o pai usava calça jeans, tênis e camisa. Aquelas roupas era de quem ia sair ou estava voltando para casa; nas mãos ele tinha as chaves do carro.
'' Coloca uma calça e um tênis e me encontra na garagem.''
'' Agora ? '', perguntou Gabriel.
O pai apenas balançou a cabeça, soltou seu braço e saiu.
Confuso, Gabriel subiu correndo as escadas e se trocou. Ao sair de seu quarto uma curiosidade o levou a olhar para o quarto dos pais, que tinha a porta fechada. Lentamente Gabriel empurrou a porta, e achou muito estranho quando viu sua mãe deitada na cama, aparentemente ainda dormindo, àquela hora de uma manhã de sábado.
Fechou a porta e foi para a garagem. O carro já estava na calçada.
O caminho foi quase todo percorrido em silêncio, Gabriel não sabia muito bem o que perguntar.
'' Por que a mãe não veio ? Ela ainda estava dormindo; ela sempre é a primeira a acordar...''
O pai balbuciou algo que Gabriel não entendeu.
'' Aonde a gente vai ? ''
'' Quero te mostrar um lugar. ''
Gabriel olhou para a janela, estavam num bairro que ele não conhecia. Passaram por uma praça onde algumas crianças brincavam, algumas lojas, supermercados, uma rua de casas parecidas, até que pararam num prédio.
O portão abriu e o carro desceu para o estacionamento subterrâneo.
Entraram no elevador, ainda em silêncio. O pai de Gabriel parecia preocupado.
Saíram do elevador no oitavo andar, e foram para o apartamento 82.


Entraram.


A sala tinha apenas um sofá velho e um televisor em cima de uma caixa.
'' Agora eu quero que você me ouça com atenção. Eu e sua mãe estamos nos separando, a partir de hoje eu moro aqui. Ainda falta trazer um monte de coisas pra cá, mas o apartamento vai ficar decente. Quero que você entenda bem que eu não estou abandonando vocês; eu apenas não moro mais na mesma casa, mas continuo sendo seu pai e a gente vai se ver sempre. ''

Gabriel achou estranho a indiferença que sentiu ao entender o que o pai estava explicando. Já tinha ouvido falar muito daquilo, alguns de seus amigos até já tinham pais separados, mas naquele momento só quis voltar para casa.
Aquele apartamento definitivamente não era sua casa.
Aquela manhã de sábado já estava quase acabando, quente como sempre em Janeiro.
Gabriel se sentiu subitamente mais velho, não lembrava mais da escola, das lições de casa feitas às pressas nos corredores, das tentativas de colar nas provas, nem das partidas de videogame.
A manhã de sábado dava seus últimos suspiros, a tarde já vindo tomar seu lugar.
Gabriel suspirou, sem querer encarar o pai.

'' Eu preciso ir limpar o quintal. ''
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'' This Year's Love '' (David Gray)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O quê da infância



Dois médicos se encontram depois do expediente, num bar próximo à clínica.
'' O que você está achando da pediatria? '', pergunta o mais velho.
Depois de um gole do suco de maracujá, o mais jovem responde.
'' Eu ainda não entendi meu fascínio pelo universo das crianças, principalmente porque apesar da alegria e satisfação que eu sinto por trabalhar com elas, tudo isso vem junto com um sentimento estranho.''
O médico mais velho esboça um pequeno sorriso.
'' Eu cuido de crianças há quarenta anos e ainda não decifrei esse mesmo mistério. Esse tal sentimento estranho seria um misto de nostalgia, tristeza, saudade de algo indefinido, sensação de impotência ante a velocidade do tempo? ''
O jovem concorda com a cabeça, e continua.
'' Eu ouço aqueles garotos e garotas falando sobre as lições de casa, os desenhos animados da televisão, as brigas na escola, os presentes de natal, os almoços com os avós... e fico pensando, um tanto quanto assustado - será que eu sequer me lembro de quando a vida era tão simples? É a resposta que me deixa mais apreensivo. Toda essa inocência ficou tão longe, tão isolada num lugar da mente, que parece que ela nunca existiu, e que se existiu foi numa pessoa diferente. ''
O médico mais velho percebeu o tom de tristeza na voz do colega.
'' Mas de fato você era uma pessoa diferente nessa época de uma vida simples, inocente e sem complicações, só que nós nos transformamos, como tantos seres na natureza. Essa nova pessoa para a qual nos transformamos, contudo, é um reflexo, mesmo inconsciente, da vida de criança. Por mais que a gente não se lembre claramente desse período, ele existiu, faz parte da gente e para sempre vai definir quem somos. ''
O suco de maracujá estava acabando, e o médico mais jovem tinha uma expressão resignada.
'' Se elas soubessem como as coisas mudam depois de alguns anos. ''
Já se levantando, o outro médico estende a mão para se despedir do amigo.
'' Nem que a gente conte, elas nunca vão saber. É essa a graça de ser criança. ''
O jovem médico concorda com um olhar, e fica no bar depois que o amigo vai embora.
Ele ainda pensa na infância, olhando aqueles adultos à sua volta.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Um velho na estrada


Caminhando na estrada, encontrei um velho.

Ele andava hesitante, ombros pesados.

Seu olhar era distante, melancólico.

O velho não sabia do que sentia falta.

Ele se lembrava de uma época tão boa.

Dos dias de brincadeiras tolas.

Das noites sem dormir pelas provas.

O velho secava os olhos ao lembrar dos amores.

As meninas do colégio, as brigas do colégio.

Para o velho, tudo parecia tão distante.

Parado na estrada, o velho olhava para trás.

Para o velho, a estrada só ia para frente.

Mas ele podia parar.

Parar e olhar para trás.

Ele sentia vontade de entender o passado.

Porque o passado era tão melhor.

O velho não tinha medo de morrer.

Continuaria na estrada, para frente.

Sabia que o passado guardava tanto.

Principalmente uma sensação de novo.

O sabor da novidade.

Isso ele nunca mais encontrou.

Na estrada, esperava encontrar.

Sabia que o caminho era longo.

Para frente.