quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Gélido calor


Mesmo antes das sete horas da manhã o sol já dava sinais de que castigaria a cidade com mais um dia de verão. Quando se está a cem quilômetros da costa e 800 metros de altitude, o verão não é a mais agradável das estações do ano. Principalmente nos dias de trabalho.

Logo cedo o ônibus está cheio, mesmo no primeiro ponto. Claro.

O casal , depois de quinze minutos de silêncio na fila , conseguiu um lugar duplo nos últimos bancos do ônibus.

Nada como acordar duas horas antes do horário de trabalho e enfrentar uma fila em pé para , nos dias de sorte , arrumar os lugares em cima do motor do ônibus.

Principalmente num dia de calor como aquele.

Quando se está suando antes das sete horas da manhã, apenas de ficar numa fila, a situação é realmente complicada.

Mais implacável do que na rua, o calor dentro do ônibus apenas agregou mais um fator de irritação para o casal em silêncio. Até o motorista ligar o motor, nenhum dos dois ousou começar a conversa. Ao mesmo tempo, os dois sabiam muito bem que a conversa era tão inevitável como as gotas de suor que insistiam em rolar nos seus rostos.

Com o movimento do ônibus um certo alívio diminuiu o desespero pelo calor, mas logo o abafamento sujo do motor envolveu o casal, agora mais desconfortáveis ainda.

Ela olhava para a janela, limpando o suor com um lenço. Ele olhava para baixo, secando a testa com a própria camisa. O pior do calor era quando o vento de alívio do movimento do veículo era contrastado pelos sinais vermelhos. Quando o ônibus parava tudo parecia pior, o sol parecia aproveitar o momento e castigá-los com mais força.

O rapaz, ainda suando e olhando pra baixo, esboçou uma pergunta.


- Você tem certeza ?


A garota continuava olhando pela janela, para o movimento dos carros na avenida. As gotas de suor já se misturavam com algumas lágrimas. Ela secou suor e lágrimas, e ele percebeu.

Mesmo assim ele tentou:


- Eu podia ...


Mas ela soluçou, e ele parou de falar. Continuava olhando para baixo, para o chão sujo do ônibus.

O sol entrava pela janela, se misturava ao calor do motor e castigava os passageiros. O rapaz já desistira de secar o suor que lhe descia a testa.

Nenhuma gota de lágrima descera, e para ele todo aquele calor era apenas externo.

Ele estava frio e desconsolado. Seu coração estava gelado, e ainda não eram sete horas da manhã quando a garota saiu do ônibus.

Ele ficou, sentindo-se muito mais gelado, com as gotas de suor correndo livremente pela sua testa no calor do verão.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Small Talk




- You can take your eyes off her, she’s as out of your league as it gets my friend

- There’s no harm in looking, is there ?

- If the look is followed by hope you can be sure there’s a hell of a harm.

- Why do you say she’s off limits ?

- Hmm, well … let me think… she’s the prom queen, president of the homecoming committee and the most popular girl in school. I’d say those are damn good reasons.

- None of these change my perspective; you don’t know what lies underneath them.

- I’m pretty sure what lies underneath is the most fantastic blond teenager in the history of high school.

- It doesn’t impress me.

- Oh, I’m sorry mister ‘’ I´m too cool to be impressed’’, but something tells me she is the one not impressed by you. In fact I could bet my whole allowance that she doesn’t even know you exist.

- That’s even better.

- What are you talking about ?

- I prefer to work undercover.

- Well, oh my God… I definitely sense some lunacy going on here. How will you get her to go out on a date with you ‘’working undercover’’ ?

- Who said I want to go on a date with her ?

- Well, huh… your endless stare ?

- I did stare my friend, but for other reasons. Did you see the look of emptiness on her face? Did you see how lonely she looked when her friends said goodbye ? What do you think may happen to her next year when school is over, when there will be no more proms, no more crownings, when she will be just another good looking girl ? High school will be a fond memory for her, and it might as well leave a void in her soul. All this social structure she so proudly reigns over will be gone.

- Wow, you do seem worried about her future.

- Well, I guess it’s really none of my business, but I would like to help when she needs. We’re all fellow human beings after all, are we not ?!

- I guess we are.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Little George



There came a time when little George didn't care for weekends any more.
They used to be the days when the family went up to the mountains, drove to the country house, or even visited the grannies on the farm.
Those were the happy days that little George enjoyed, when he'd run through the fields, play hide and seek with his cousins, or even talk to the fat cows he loved.
They always amused him, the cows. He could never figure out how they could have that much milk, and besides that their skin was amazingly thick.

On the way back, on Sunday nights, he was always exhausted but never sad.

Occasionally he'd get somewhat concerned over school the following morning. Third grade could be a hassle sometimes, but little George liked it.

George stopped enjoying weekends when his father became his only companion. His mother would pack his bag on Friday nights, and by Saturday mornings his father would ring the door bell as early as 9 am.

It was strange.

His father ringing the door bell.

George always wondered why his father wouldn't just open the door and call him. But then again, the stranger thing was that his father was not around during the week any more

The week days were also different, but the weekends at his father's new downtown apartment were no fun at all.

No hide and seek. No running through the fields. No talking to the cows. No more listening to Simon and Garfunkel in the car during the road trips.
Hell, no more road trips.

His father was oddly different; he'd offer to buy him any ice cream. He would let little George watch television until late at night.

The Sundays nights felt like a relief. It couldn't be good. They shouldn't feel like a relief.
Little George started resenting his father not even knowing why. They would hug affectionately at the door, his mother looking down from the bedroom window.
His father wouldn't come in, and George's backpack felt heavier than it did on Saturday morning.
Little George would go upstairs to his bedroom and his mother showed up asking all sorts of strange questions.

How was it? Did he ask about me ? Did you see women's clothes in his wardrobe ? Did he talk about the checks ?

George would take a shower before his mother tucked him in, and hardly ever answered any of the questions. They made no sense to him.

It would take him quite a while to get to sleep, certainly longer than the five seconds it took him after the old times weekends.

Yeah, little George didn't care for weekends any more. They felt funny.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A vida poderia ser um sonho




A vida poderia ser um sonho.


Gabriel pensou, e naquele momento parecia ter sido atingido por uma rajada de vento que trazia medo e, principalmente, saudades. Ele sabia que aquele momento seria o mais difícil.
O caminhão da mudança estava pronto para ir, todos os móveis e objetos haviam sido retirados da casa.
Gabriel não esqueceria a data; 3 de dezembro.
O terceiro colegial ficara para trás, todas as provas, os professores, os muitos colegas, e os três amigos.
Três grandes amigos.
Gabriel achava que nessa época do ano estaria se preocupando com o vestibular; não imaginava que houvesse uma situação na qual ele desejasse estar se preocupando com o vestibular.
O vestibular parecia algo distante, como as princesas e rainhas das histórias que sua avó lhe contara para fazê-lo dormir, anos atrás.
Foi preciso a buzina do carro dos pais para chamar Gabriel de volta à realidade; ele estava de costas para a rua, na calçada, olhando a casa onde crescera.
Ele não chorou, na verdade nunca nem cogitara essa possibilidade. Ele não demonstrava os sentimentos; nenhum deles. Dois meses antes do dia daquela mudança os pais anunciaram a decisão para Gabriel e a irmã mais nova. No final do ano eles se mudariam para uma cidade menor, num estado distante.
A inscrição do vestibular seria cancelada, no outro semestre ele se inscreveria numa faculdade já na nova cidade.
Gabriel, como de costume, não demonstrou nenhuma reação em relação à mudança para a cidade estranha. Não colocou no rosto o sorriso que o resto da família sustentava, e também não esboçou resistência. Mas a notícia o abalara. Iria para longe dos amigos, dos locais que conhecia, dos rostos familiares. Iria para o sotaque estranho que tanto desgostava; iria para o calor insuportável.
E aquele era seu futuro; ao menos futuro é a palavra que estranhamente todos começam a usar quando você está no final do terceiro colegial.
Tudo que sentia em relação à mudança era um vazio.
Vazio pela vida que perdera ali onde era confortável e vivia entre amigos e pessoas conhecidas.
Entrou no carro, sabendo que aquele seria a pior viagem de sua vida. A irmã era muito pequena para entender, e para ela tudo era motivo de festa.
O pior momento daquele processo fora no dia anterior, quando Gabriel se despediu dos três amigos e anotou na agenda o endereço e telefone de cada um. Um desses amigos lhe dera um livro de presente, que ele separou para ler na viagem.
Enquanto as paisagens mudavam do lado de fora, Gabriel lia compulsivamente. Não queria perder o olhar para o lado de fora, nas passagens de tempo, nos postos de gasolina e pousadas de beira de estrada. Não queria aceitar que aquilo era uma viagem, não queria se ver no meio do caminho para longe de tudo.
Mergulhara no livro, ao ponto de se imaginar na história; não como um personagem, mas como uma testemunha invisível, acompanhando tudo de perto. Vivendo as alegrias e aventuras naquele mundo mágico, distante, naquele mundo de sonhos.


A vida poderia ser um sonho.


O primeiro dia de viagem chegava ao fim, quando, ao fechar o livro, Gabriel novamente pensou no que a vida poderia ser. O escuro da noite se misturava às luzes fracas dos postes da estrada, e esses postes começavam a aumentar quando algum tipo de hotel ou posto de serviços se aproximava.
A família estava esgotada depois de um dia inteiro de viagem. Nem metade do caminho havia sido percorrido.
Alguns caminhões estacionados no fundo do posto, e alguns carros de passeio em frente a um prédio pequeno, de dois andares, mas comprido. Ali era a pousada.
O verão que se aproximava já deixara as noites quentes, mas ainda agradáveis. Soprava uma brisa diferente, que Gabriel pensou ser típica das estradas, onde não havia prédios e casas para bloquear o vento.
Dois quartos, um para os pais e a menina, outro para Gabriel.
Na mochila o sabonete, escova de dentes e o pijama. No bolso, o livro.
Depois do banho, o jantar; e todos se recolheram. Gabriel deitou no colchão estranho da pousada, sentiu o cansaço do dia inteiro no banco de trás do carro pesar sobre seus ombros.
Sabia que os pais estavam felizes, e os ressentia tremendamente por isso. Porque eles achavam felicidade em algo que o fazia sofrer.
Leu mais.
A história estava mais interessante, o protagonista acabara de aprender uma lição de vida inesquecível. Fora uma passagem muito bem construída, cativante, que novamente transformara Gabriel naquela testemunha invisível que habitava o mundo dos livros. Com a passagem, a negação que vinha sustentando ao longo do dia se destruíra. Encarou a distância da realidade para o mundo do livro. Percebeu que a alegria que tinha ao se ver no mundo era na verdade um contraponto ao mundo real.
Fechou o livro e deslizou no colchão. No quarto escuro o cansaço pesou, e o alívio do corpo estirado sob o ventilador precipitou o sono. Gabriel desejava que o sono viesse logo; queria, mais do que nunca, aquele mergulho no desconhecido. Pensou como desprezara esse aspecto misterioso e encantador do sono.
Era como o livro, mais um salto para outra realidade. Desejou que o salto fosse longo, e que a queda nunca chegasse. Desejou aquela sensação de perda da noção de tempo.
Viu um lado do sono que nunca antes vira. Viu o refúgio, viu o abrigo mágico.
Mais do que nunca, mais do que na manhã, na saída de casa, e mais do que nas horas de estrada, desejou novamente.
Desejou profundamente.


A vida poderia ser um sonho.