domingo, 11 de janeiro de 2009

Manhã de Sábado



Para um garoto de 15 anos, as manhãs de sábado são reservadas para o sono. Depois de cinco dias acordando antes das sete horas, o sábado só começa depois do meio dia.
Mas nos dias quentes de Janeiro, as manhãs de sábado voltam a existir para Gabriel, de férias da escola.
Passadas as festas e viagens de natal e ano novo, os dias em casa passam a exercer um estranho efeito sobre Gabriel.
Mesmo com as ocasionais saídas com os amigos e as animadas partidas de videogame , ele passou a sentir algo que o perturbou bastante. Os dias em casa ficam cada vez mais longos; as horas se arrastam e ele demora a pegar no sono.
O momento em que ficou mais assustado foi quando chegou à conclusão de que estava com saudades da escola. Com certeza não das aulas intermináveis de física e matemática, nem de alguns professores, mas de tudo que envolvia o ambiente escolar. A conversa no pátio antes das aulas, as brincadeiras na aula de religião, as lições de casa copiadas às pressas nos corredores, a correria do recreio para conseguir um salgado na cantina, até mesmo da tensão antes das provas.
Tudo isso ficava mais claro para Gabriel nas manhãs de sábado.
Além dos afazeres domésticos, ele não tinha muito o que fazer em casa; apesar de não cumprir os deveres com entusiasmo, Gabriel nunca reclamou de ter que lavar a louça todos os dias, limpar a sujeira dos cachorros no quintal e alimentar os gatos.
Nas manhãs de sábado , como todos estavam em casa, a mãe de Gabriel costumava coordenar o trabalho, já que o pai também participava.
Lavando a louça, varrendo o quintal, Gabriel pensava. Pensava bastante.
Chegava mesmo a sentir um vazio, um tipo de tristeza que ele não entendia, principalmente quando fazia suas atividades domésticas ouvindo '' This Year's Love'' , cantada por David Gray, nos fones enormes do tocador de mp3, que cobriam suas orelhas.
Os pais, evidentemente, não sabiam de nada.
'' Vou falar o quê ? ''

Mas uma dessas manhãs quentes dos sábados de Janeiro foi diferente.
Gabriel acordou e desceu para a cozinha; a louça do jantar de sexta ainda estava suja na pia. Era estranho, mas como na divisão de trabalhos domésticos a louça da noite era responsabilidade da mãe, Gabriel não deu muita importância ao fato.
Ainda sonolento, ele demorou para perceber que já passavam das dez horas. Quando se deu conta do horário, passou a comer com pressa.
'' Dez horas ? Ninguém me acordou... ''
A mãe de Gabriel sempre o acordava cedo aos sábados.
Engoliu os últimos goles do achocolatado e já estava se levantando da cadeira quando seu pai apareceu na cozinha. O garoto abaixou a cabeça, para dar uma desculpa e falar que já estaria indo limpar o quintal.
No meio da frase o pai se aproximou dele e o pegou pelo braço; Gabriel parou de falar quando notou que o pai usava calça jeans, tênis e camisa. Aquelas roupas era de quem ia sair ou estava voltando para casa; nas mãos ele tinha as chaves do carro.
'' Coloca uma calça e um tênis e me encontra na garagem.''
'' Agora ? '', perguntou Gabriel.
O pai apenas balançou a cabeça, soltou seu braço e saiu.
Confuso, Gabriel subiu correndo as escadas e se trocou. Ao sair de seu quarto uma curiosidade o levou a olhar para o quarto dos pais, que tinha a porta fechada. Lentamente Gabriel empurrou a porta, e achou muito estranho quando viu sua mãe deitada na cama, aparentemente ainda dormindo, àquela hora de uma manhã de sábado.
Fechou a porta e foi para a garagem. O carro já estava na calçada.
O caminho foi quase todo percorrido em silêncio, Gabriel não sabia muito bem o que perguntar.
'' Por que a mãe não veio ? Ela ainda estava dormindo; ela sempre é a primeira a acordar...''
O pai balbuciou algo que Gabriel não entendeu.
'' Aonde a gente vai ? ''
'' Quero te mostrar um lugar. ''
Gabriel olhou para a janela, estavam num bairro que ele não conhecia. Passaram por uma praça onde algumas crianças brincavam, algumas lojas, supermercados, uma rua de casas parecidas, até que pararam num prédio.
O portão abriu e o carro desceu para o estacionamento subterrâneo.
Entraram no elevador, ainda em silêncio. O pai de Gabriel parecia preocupado.
Saíram do elevador no oitavo andar, e foram para o apartamento 82.


Entraram.


A sala tinha apenas um sofá velho e um televisor em cima de uma caixa.
'' Agora eu quero que você me ouça com atenção. Eu e sua mãe estamos nos separando, a partir de hoje eu moro aqui. Ainda falta trazer um monte de coisas pra cá, mas o apartamento vai ficar decente. Quero que você entenda bem que eu não estou abandonando vocês; eu apenas não moro mais na mesma casa, mas continuo sendo seu pai e a gente vai se ver sempre. ''

Gabriel achou estranho a indiferença que sentiu ao entender o que o pai estava explicando. Já tinha ouvido falar muito daquilo, alguns de seus amigos até já tinham pais separados, mas naquele momento só quis voltar para casa.
Aquele apartamento definitivamente não era sua casa.
Aquela manhã de sábado já estava quase acabando, quente como sempre em Janeiro.
Gabriel se sentiu subitamente mais velho, não lembrava mais da escola, das lições de casa feitas às pressas nos corredores, das tentativas de colar nas provas, nem das partidas de videogame.
A manhã de sábado dava seus últimos suspiros, a tarde já vindo tomar seu lugar.
Gabriel suspirou, sem querer encarar o pai.

'' Eu preciso ir limpar o quintal. ''
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'' This Year's Love '' (David Gray)

3 comentários:

  1. As vezes não queremos encarar de frente as coisas mais dificeis e estranhas da vida, e melhor fingir que nada entendemos, para sofrer menos.
    Seus posts me fazemr refletir rsrsrs


    Beijos, Thi
    :)

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  2. hahah!
    carambaaa! mto bom esse!
    quem é que nunca passou por isso? xD saudade dessa época... (meus quinze anos)

    abraaaço

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  3. Ela estava com apenaas 15 anos quando acontecu tudo.

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