Noite fria.
Dois amigos sentados na mesa de uma cafeteria, daquelas frequentadas por pessoas que parecem sempre ter algo importante a dizer.
- Se isso fosse um filme, aquele casal na mesa de trás não seria de namorados.
- Quem disse que eles são namorados? Eu não vi nada. E por que ''se isso fosse um filme''?
- Eu acho a menina linda. O que você acha do cara?
- Maravilhoso.
- Exato. Se isso fosse um filme, eles seriam ou irmãos ou melhor ainda... Eles seriam melhores amigos, e um cara melhor amigo de uma mulher é sempre gay. Ou seja, nós dois teríamos nossos pares. Eu daria uma olhada pra ela e ela sorriria de um jeito meigo e encantador, enquanto o cara piscaria o olho pra você e você ficaria vermelho. Eu passaria na frente da mesa deles com a desculpa de ir pro balcão e começaria uma conversa estúpida, aí nós quatro sentaríamos na mesma mesa. A gente ia passar o resto da noite numa conversa inteligente e agradável. A gente ia se encantar com cada detalhe dos gestos deles e eles iam retribuir com uma simpatia acolhedora e fariam comentários engraçados e provocadores. Durante a conversa, uma sensação de leveza e conforto, como se eles dois fossem nossos velhos conhecidos; como se eles fossem aquelas pessoas que a gente se sente bem só de ter por perto. Aquela sensação mista de alegria e tranquilidade quando se está na presença de alguém diferente, e importante. No final da noite, a gente ia ficar triste de ter que ir embora e trocaríamos contatos para continuarmos nos falando de hoje em diante. E nós dois iríamos para a aula sabendo que nessa noite tínhamos conhecido pessoas especiais.
- E tudo isso nunca vai deixar de ser ficção?
- É como eu disse, ''se isso fosse um filme''...
- Por quê?
- Porque eles estão se levantando, de mãos dadas e se beijando. Estão indo embora, e nunca saberão que nós existimos. Porque isso não é um filme.
- O que é isso, então? O que você quer dizer?
- Nada. Olhe em volta. Isso não é um filme. É só a vida.