Já conversei com estudantes de jornalismo que questionam a validade das disciplinas que tratam da ética no exercício da profissão.
Analisando a cobertura da imprensa nos recentes casos de violência em São Paulo – o assassinato da garota Isabela e o seqüestro no ABC – fica claro que a ética e o respeito ao ser humano não são prioridades para os jornalistas.
O assassinato de Isabela foi esmiuçado de todas as maneiras possíveis, reconstituído incessantemente por todos os órgãos de imprensa – principalmente as redes de televisão – de um modo que banalizou completamente a gravidade do crime. Não era difícil encontrar nas ruas pessoas simulando modos de se jogar uma criança pela janela, tamanha a repetição despropositada veiculada pelos meios de comunicação.
Alguns programas de TV chegavam a colocar repórteres plantados em frente ao prédio onde aconteceu o crime, e suas entradas ao vivo nos programas não informavam nada à população, simplesmente satisfaziam algum tipo de curiosidade mórbida, já que tudo que se via era uma pessoa repetindo as mesmas informações e especulações.
No caso do seqüestro em Santo André, mesmo o descalabro da cobertura da imprensa no caso Isabela foi superado, numa das piores demonstrações de desrespeito ao público e falta de profissionalismo. Como a situação estava em andamento, testemunhamos uma postura macabra da imprensa que nunca foi vista na história deste país.
Em nenhum momento eu questiono a função da imprensa de prestar informação, mas ficou evidente que o objetivo no caso do seqüestro passou longe disso. O circo que foi armado era para a apresentação de um show, praticamente um reality policial.
O ápice da loucura da imprensa pelos índices de audiência veio quando a jornalista Sonia Abrão, no seu programa vespertino na Rede TV, exibiu conversa ao vivo por celular com o seqüestrador, que mantinha a ex-namorada em cárcere.
É desnecessário apontar a gravidade da situação, onde um homem desequilibrado e armado está com a vida de uma menina de 15 anos em suas mãos. Mas nada disso importou para a apresentadora e a produção do seu programa; o que de fato valeu foi a busca pela entrevista exclusiva, direto da fonte – ouvir as palavras do seqüestrador no momento extremo, de perigo máximo; isso sim foi o importante.
A corrida pelos índices de audiência, pela primeira vez, se mostrou mais importante do que o respeito a uma vida humana em risco. Ou alguém argumenta que Sonia Abrão queria exercer a função de negociadora policial e convencer o seqüestrador a se entregar? Não é necessário falar que ela não possui treinamento e preparo para isso.
O que importou ali foi ouvir a voz daquele homem transtornado, satisfazer uma curiosidade mórbida e ganhar audiência.
Até José Luis Datena, apresentador de programa diário onde a violência é tratada como espetáculo e vendida ao telespectador, criticou a colega e repreendeu a ação.
Na TV Record, durante alguns dias do seqüestro, foi exibido um ‘’plantão’’ especial, novamente – como no caso Isabela – com um repórter postado em frente ao prédio, mesmo sem nenhuma informação para passar.
No sábado, dia 18, o site do jornal Folha de São Paulo noticiou com alarde o sucesso da Record na transmissão, uma vez que o canal atingiu a liderança no horário do plantão.
Parecia uma declaração de vitória.
Mesmo depois do desfecho do seqüestro, a morbidez da imprensa prossegue.
O que falar das fotos publicadas no sábado (18), mostrando em detalhes nas capas dos jornais paulistas as meninas sendo retiradas com ferimentos nos rostos?
O site G1, das organizações Globo, não poupa detalhes em relação à retirada de órgãos da garota Eloá, assassinada pelo ex-namorado.
Notícia de segunda-feira, 20 de outubro (grifo meu):
‘’O coração da adolescente foi o primeiro órgão a deixar o Centro Hospitalar de Santo André. (...) Conduzido por uma equipe, o órgão foi levado em um recipiente apropriado dentro de uma ambulância.’’
‘’As córneas foram levadas de táxi, e não tiveram seu destino informado’
Qual é o grau informativo dos textos? Qual a relevância de sabermos que o coração da menina foi levado em um recipiente apropriado? Existia a possibilidade do órgão não ser levado em um recipiente apropriado? E o fato das córneas terem sido levadas de táxi, o que acrescenta?
Espero que meus amigos estudantes de jornalismo pensem duas vezes sobre a validade das disciplinas de ética durante a graduação.