segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O LIMITE DO GROTESCO




Já conversei com estudantes de jornalismo que questionam a validade das disciplinas que tratam da ética no exercício da profissão.
Analisando a cobertura da imprensa nos recentes casos de violência em São Paulo – o assassinato da garota Isabela e o seqüestro no ABC – fica claro que a ética e o respeito ao ser humano não são prioridades para os jornalistas.

O assassinato de Isabela foi esmiuçado de todas as maneiras possíveis, reconstituído incessantemente por todos os órgãos de imprensa – principalmente as redes de televisão – de um modo que banalizou completamente a gravidade do crime. Não era difícil encontrar nas ruas pessoas simulando modos de se jogar uma criança pela janela, tamanha a repetição despropositada veiculada pelos meios de comunicação.

Alguns programas de TV chegavam a colocar repórteres plantados em frente ao prédio onde aconteceu o crime, e suas entradas ao vivo nos programas não informavam nada à população, simplesmente satisfaziam algum tipo de curiosidade mórbida, já que tudo que se via era uma pessoa repetindo as mesmas informações e especulações.

No caso do seqüestro em Santo André, mesmo o descalabro da cobertura da imprensa no caso Isabela foi superado, numa das piores demonstrações de desrespeito ao público e falta de profissionalismo. Como a situação estava em andamento, testemunhamos uma postura macabra da imprensa que nunca foi vista na história deste país.

Em nenhum momento eu questiono a função da imprensa de prestar informação, mas ficou evidente que o objetivo no caso do seqüestro passou longe disso. O circo que foi armado era para a apresentação de um show, praticamente um reality policial.

O ápice da loucura da imprensa pelos índices de audiência veio quando a jornalista Sonia Abrão, no seu programa vespertino na Rede TV, exibiu conversa ao vivo por celular com o seqüestrador, que mantinha a ex-namorada em cárcere.

É desnecessário apontar a gravidade da situação, onde um homem desequilibrado e armado está com a vida de uma menina de 15 anos em suas mãos. Mas nada disso importou para a apresentadora e a produção do seu programa; o que de fato valeu foi a busca pela entrevista exclusiva, direto da fonte – ouvir as palavras do seqüestrador no momento extremo, de perigo máximo; isso sim foi o importante.

A corrida pelos índices de audiência, pela primeira vez, se mostrou mais importante do que o respeito a uma vida humana em risco. Ou alguém argumenta que Sonia Abrão queria exercer a função de negociadora policial e convencer o seqüestrador a se entregar? Não é necessário falar que ela não possui treinamento e preparo para isso.
O que importou ali foi ouvir a voz daquele homem transtornado, satisfazer uma curiosidade mórbida e ganhar audiência.

Até José Luis Datena, apresentador de programa diário onde a violência é tratada como espetáculo e vendida ao telespectador, criticou a colega e repreendeu a ação.
Na TV Record, durante alguns dias do seqüestro, foi exibido um ‘’plantão’’ especial, novamente – como no caso Isabela – com um repórter postado em frente ao prédio, mesmo sem nenhuma informação para passar.


No sábado, dia 18, o site do jornal Folha de São Paulo noticiou com alarde o sucesso da Record na transmissão, uma vez que o canal atingiu a liderança no horário do plantão.

Parecia uma declaração de vitória.

Mesmo depois do desfecho do seqüestro, a morbidez da imprensa prossegue.


O que falar das fotos publicadas no sábado (18), mostrando em detalhes nas capas dos jornais paulistas as meninas sendo retiradas com ferimentos nos rostos?

O site G1, das organizações Globo, não poupa detalhes em relação à retirada de órgãos da garota Eloá, assassinada pelo ex-namorado.

Notícia de segunda-feira, 20 de outubro (grifo meu):
‘’O coração da adolescente foi o primeiro órgão a deixar o Centro Hospitalar de Santo André. (...) Conduzido por uma equipe, o órgão foi levado em um recipiente apropriado dentro de uma ambulância.’’
’As córneas foram levadas de táxi, e não tiveram seu destino informado’
Qual é o grau informativo dos textos? Qual a relevância de sabermos que o coração da menina foi levado em um recipiente apropriado? Existia a possibilidade do órgão não ser levado em um recipiente apropriado? E o fato das córneas terem sido levadas de táxi, o que acrescenta?

Espero que meus amigos estudantes de jornalismo pensem duas vezes sobre a validade das disciplinas de ética durante a graduação.

3 comentários:

  1. Olha.. questionamentos não faltam. Onde eu moro, em belém, é acontece bem pior: no caderno policial as fotografias macabras e os textos(muitas vezes não informativos) fazem com que a população se satisfaça com o "sangue exposto". Muitas pessoas só compram os jornais por causa do "caderno do horror"(como camo os cadernos policiais, por isso o exagero, por causa do capital. Bão concordas que seria uma expécie de capitalismo selvagem? Afinal, os jornais ainda são empresas, e querendo ou não, os jornalistas tem que seguir as normas desta.

    (P.S.: nada haver, mas meu livro preferido também é 'O pequeno príncipe'.)Beijos..

    ResponderExcluir
  2. putz! errei um pouco...

    ResponderExcluir
  3. sobre o livro: uhum.. e é adorável e simples..

    ResponderExcluir